Pinguim domina o submundo de Gotham | Crítica

[Cuidado com spoilers de Pinguim no texto abaixo]

A concepção de uma série do Batman sem o Batman não é nova – há décadas de tentativas, em sua maioria mal-sucedidas, de desenvolver uma Gotham sem as aventuras noturnas do Cavaleiro das Trevas. Birds of Prey, Gotham Knights, até Pennyworth passaram sem deixar grande impressão na mente do público. Se há algum paralelo com essas séries na nova aposta da HBO, Pinguim, estaria mais próximo de “Gotham“, da FOX, que se dedicou mais a intrigas criminosas da cidade do que a qualquer outra coisa. A versão mais recente de Lauren LeFranc de um dos vilões mais icônicos do universo do Morcegão se destaca, superando seus antecessores em uma série que transmuta a máfia criminosa dos quadrinhos em uma das melhores produções do ano.

Derivada diretamente do universo criado por Matt Reeves em Batman (2022), Pinguim inicia sua trama não como uma simples história de origem, mas sim como uma imersão na ascensão ao poder de Oz “Pinguim” Cobblepot, interpretado por um irreconhecível e intenso Colin Farrell. A série se passa logo após os eventos traumáticos causados pelo Charada, que devastam as áreas mais vulneráveis de Gotham. É em meio a essa anarquia que Oz vê a oportunidade perfeita de manipular as poderosas famílias Maroni e Falcone, transformando-as em peças de um jogo prestes a se enfrentarem

As principais qualidades de Oz – sua astúcia, lábia e capacidade de adaptação – são também suas fraquezas, que se manifestam em impulsos violentos e insegurança. Essas características são fundamentais na cena em que Oz assassina Alberto Falcone, herdeiro do pai, desencadeando uma série de eventos. Ao longo da série, acompanhamos essa oscilação entre ambição e insegurança, elementos que sustentam um épico sobre a criminalidade: a narrativa é sombria, perturbadora e viciante, onde o inesperado sempre surge entre Oz e seu propósito – ou entre ele e as pessoas ao seu redor.

Essa primeira pessoa é Victor Aguilar (Rhenzy Feliz), um jovem desamparado pelas enchentes e com quem ele desenvolve uma relação ambígua. Inicialmente, Oz pretende intimidá-lo, mas acaba protegendo-o. Embora tenha sofrido com as perdas causadas pelo Charada, Vic demonstra uma vulnerabilidade que Oz prontamente explora, criando um laço de mentor e protegido. Ao longo de oito episódios, essa relação de pai e filho mostra lampejos de quem Oz poderia ter sido se Gotham e sua mãe, Francis (uma performance fantástica de Deirdre O’Connell, vencedora do Tony), não o tivessem endurecido muito antes de ele atingir a maturidade. Feliz traz tanta ternura para Vic que, apesar das atividades hediondas nas quais ele participa, o espectador pode facilmente esquecer o quão diabólicos são os planos de Oz.

O segundo fantasma que assombra o Pinguim é ninguém menos que Sofia Falcone, interpretada pela excelente Cristin Milioti. Irmã de Alberto, recém-libertada de Arkham após ser internada como a suposta serial killer conhecida como A Carrasco. Se os rumores são reais ou não, o que importa é que os planos da nova psicopata libertada podem impedir os planos de Oz. Millioti dá vida a Sofia com um quê que jamais vimos antes, diferente dos estereótipos da louca Arlequina. Cada vez que Sofia surge em cena, ela domina a atenção com seu ar predatório e imprevisível.

Produções baseadas em quadrinhos muitas vezes recorrem a uma simplificação maniqueísta, mas The Penguin evita essa armadilha. Focada no submundo, a série mergulha no grotesco, expondo personagens e cenários decadentes que prendem a atenção do público. É tão gratificante assistir séries que não caem na mediocridade de personagens rasos, estereotipados ou até mesmo de negligenciar pautas importantes que são tão preciosas e tão intrínsecas aos quadrinhos. Um grande mérito da equipe de roteiro e da supervisão afiada de Lauren LeFranc. A série explora não só a busca obsessiva de Oz por poder e status, mas também os ciclos de trauma que moldam figuras como ele e Sofia. Esses personagens são produtos do ambiente ou o mal já estava neles desde o início?

Flashbacks revelam as tragédias que moldaram Sofia e Oz, reflexos de suas relações parentais negligentes. Sofia parece ser a principal vítima, ao passo que descobrimos seu passado no melhor episódio da série (Cent’anni, o quarto capítulo). Uma sucessão de eventos que não só te faz repensar sua posição quanto a personagem, como também te faz apoiar suas futuras ações distorcidas e homicidas. Ela foi criada. Já a trajetória de Oz é diferente: ele não se tornou o Pinguim; ele sempre foi. A influência de sua mãe é parte do que ele se tornou, mas não é o único fator determinante. Sempre esteve lá. Em um mundo repleto de vilões “traumatizados”, é revigorante ver que um bom antagonista também pode emergir de uma essência sombria e constante.

Ao longo de tudo, The Penguim oscila entre o grotesco e o realista, um drama de crime “pé-no-chão” cheio de caricaturas mafiosas e personagens exagerados. Esses impulsos orbitam ao redor de Oz e Sofia, dois lados da mesma moeda, com objetivos que se chocam. Ambos tentam conquistar o sonho americano, enfrentando a sociedade, a si mesmos e, eventualmente, um ao outro. Ela, com todo seu privilégio, dinheiro e força do sobrenome. Ele, que sabe como o jogo funciona de verdade, seja ao juntar a base desse submundo, ou seja em alocar a guerra de classes contra os mafiosos milionários.

O resultado disso é um fim que aponta diretamente para Batman 2. Dominar o submundo não é suficiente para nosso vilão, ele quer que a cidade conheça o nome Cobblepot. Ao fim da série, ele vê a cidade de cima: ele finalmente chegou lá. Porém, seus inimigos continuam a solta. O maior deles é convocado quando o bat-sinal ilumina o céu. Um Continua. Uma grande história ousada no cenário sombrio de Gotham, e Pinguim prova que não é preciso capa e máscara para contá-la.

Pós-créditos 1: Pobre Vic. É uma das cenas mais traumatizantes e anti-climáticas de toda a série. O personagem se tornando pior, mas também a consolidação de que nada pode ser seu calcanhar de aquiles como vilão.

Pós-créditos 2:  “SUA MEIA-IRMÃ, SELINA KYLE” Oooooiiii??? Mal posso esperar por esse encontro. Cristin Milioti e Zoë Kravitz juntas? JAMES GUNN FAÇA ISSO ACONTECER!

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