Megalópolis, de Francis Ford Coppola | Crítica

Era 15h55 de um domingo quando desci do Uber correndo para o único cinema de rua da minha cidade, um dos poucos lugares que exibia sessões de Megalópolis. O filme começava às 16h, e lá estava eu. A sala estava relativamente cheia, considerando o público típico daquele cinema. Enquanto passavam os trailers, eu me acomodava na cadeira, sentindo algo em mim — uma reação que talvez todo apaixonado por cinema entenda: era a primeira vez que veria um filme de Francis Ford Coppola na tela grande. A criança que, anos atrás, pegou o box de O Poderoso Chefão escondido dos pais estava ali, agora vivenciando a obra de um grande mestre. Os créditos subiram, as luzes se acenderam, e eu depositei as minhas cinco estrelas no Letterboxd. Estava como um homem que presencia Deus pela primeira vez.

Por que estou escrevendo em forma de crônica? Talvez seja a maneira mais eficaz de relatar essa crônica da sétima arte. Odeio recorrer a clichês, mas reconheço que só se tornam clichês porque são, de fato, verdades recorrentes. O clichê da vez é reafirmar, sempre e constantemente, que o grande mestre conduz a pura arte em suas lentes. Coppola é um artesão e, aqui, tece talvez a sua crônica maior.

Baseado nas Catilinárias do filósofo Cícero contra o Imperador Catilina, Megalópolis retrata o conflito entre o Presidente Cícero (Giancarlo Esposito) e o arquiteto Catilina (Adam Driver), que deseja recriar a cidade de Nova York/Nova Roma com um ideal utópico. Entre esse conflito encontra-se Júlia (Nathalie Emmanuel), filha de Cícero e discípula de Catilina. Além de estar no fogo cruzado, Júlia precisa também ponderar e se posicionar entre bancários, jornalistas e oligarcas.

A escritora Hilda Hilst certa vez afirmou que “é difícil explicar um poema, é inútil também”. E, assim como um poema, contextualizar Megalópolis é uma missão árdua. A película, que a princípio se estabelece como uma releitura de uma Roma contemporânea, se fragmenta em tantos sentidos que é como se estivéssemos assistindo a múltiplos filmes, com múltiplas tramas e até múltiplos estilos, mas sem perder sua base inicial. Dramas familiares, indústria da moda e entretenimento, ascensão da extrema-direita, ecofascismo, Taylor Swift e o controle midiático sobre figuras pop, grafeno, coronelismo, oligarquias, nepotismo, desigualdade social — todos são temas tangenciais do filme, alguns mais explícitos, outros mais metafóricos.

Assim como a estrutura do filme se divide em aspectos dicotômicos, as atuações também. É como se cada ator estivesse em um projeto diferente e, ainda assim, todos se unissem no mesmo filme. Apesar da disparidade, nada sai desencaixado ou fora do tom; todas as atuações são excelentes. O foco total, porém, recai sobre Nathalie Emmanuel. Sua interpretação é uma masterclass perfeita de reação e escuta. Júlia, no centro de todo o conflito, absorve todas as diferentes representações sem se minimizar nem exagerar. Um caso em que atriz e personagem se entrelaçam em uma única tangente; talvez seja ela a verdadeira Megalópolis.

Megalópolis é substancial, um filme que ressoa com o passado, o presente e, inevitavelmente, o futuro. Chamá-lo de “atemporal” é pouco; é quase um retrato da própria existência. Megalomaníaco, ambicioso, genial, magistral — todas essas caracterizações lhe cabem. O filme merece todas as críticas, negativas e, sobretudo, as positivas, pois transcende o conceito comum de cinema. Apesar da rejeição inicial, Megalópolis já se gravou na história como uma obra que ecoará através do tempo.

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