O Universo Cinematográfico da Marvel tem demonstrado, ao longo da última década, uma habilidade ímpar em transformar personagens periféricos em ícones culturais, como é o caso de Guardiões da Galáxia e Viúva Negra. No entanto, ao trazer Agatha: Desde Sempre, a Marvel ultrapassa até mesmo o seu limiar de personagens secundários e aposta em um nome improvável, Agatha Harkness, apresentada em WandaVision e vivida pela magnética Kathryn Hahn. A série surge como uma das produções mais ousadas do estúdio, distanciando-se da fórmula do blockbuster para assumir a estética e narrativa de uma série mais intimista, e talvez por isso, seja uma das melhores adições ao MCU nos últimos tempos.
A trama segue Agatha após os eventos de WandaVision, onde Wanda Maximoff a priva de seus poderes e aprisiona-a em uma espécie de dimensão ilusória. O enredo é acionado quando Agatha é resgatada pelo misterioso personagem Jovem (Joe Locke), que a incita a seguir o mítico Caminho das Bruxas. Juntos, eles formam um coven ao lado de outras bruxas formidáveis, interpretadas por Sasheer Zamata, Ali Ahn, Patti LuPone e Debra Jo Rupp, que mais tarde é substituída por Aubrey Plaza. Com esse elenco, a série se permite uma abordagem episódica que evoca clássicos como Mare of Easttown, True Detective e até mesmo a fantasia sombria de Convenção das Bruxas, Abracadabra, e As Bruxas de Salém, criando uma narrativa que se estrutura em missões, revelações e reviravoltas.
Sob a direção criativa de Jac Schaeffer, a série se afasta das amarras do épico heróico e abraça o gênero sobrenatural com uma reverência que raramente se vê no MCU. Cada episódio é uma peça de um mosaico narrativo maior, com ganchos bem construídos e cliffhangers instigantes, lembrando o melhor da televisão de mistério e fantasia. A única ligação evidente ao MCU são os ocasionais easter eggs e o senso de humor peculiar, marcas registradas do estúdio. De resto, Agatha: Desde Sempre encontra sua identidade ao explorar o arquétipo das bruxas de maneira original e ao se inspirar na iconografia gótica e até mesmo teatral.
No centro desse universo sombrio e provocador está a própria Agatha Harkness de Hahn, uma anti-heroína deliciosa de acompanhar. Hahn entrega uma performance rica, revelando uma personagem que é ao mesmo tempo cruel e humorado, uma manipuladora nata que encontra prazer em subverter e manipular os outros, mas que carrega em si traços de uma vulnerabilidade surpreendente. Sua relação conturbada com Billy é um dos pontos altos da série; embora Billy desperte nela ecos de um passado maternal doloroso, o roteiro sabiamente evita uma transformação redentora. Agatha permanece imutável em sua frieza e egocentrismo, o que só torna sua jornada ainda mais intrigante.
Entretanto, nem tudo funciona de forma fluida. A motivação de Agatha, embora sugerida em flashbacks emotivos, permanece turva. Há uma tentativa de aprofundar seu passado, especialmente com a presença de um arco sobre a perda de seu filho, Nicholas Scratch, mas a série falha em explorar isso com a profundidade necessária. Além disso, o relacionamento entre Agatha e a personagem de Aubrey Plaza, Rio, é potente em tela – com direito ao primeiro beijo lésbico do MCU – mas acaba sendo desenvolvido de maneira inconsistente. A presença de Rio injeta uma energia nova e revigorante na série, mas sua narrativa parece pouco aproveitada, aparecendo e desaparecendo sem muita explicação. O mesmo se aplica ao arco das Sete de Salém, que inicialmente promete uma atmosfera ameaçadora, mas acaba sendo relegado a um papel secundário, uma ferramenta de progressão que poderia ter sido mais explorada.
A ambientação sobrenatural e os cenários, ricos em texturas e simbologias ocultas, são um espetáculo à parte. Em cada curva do Caminho das Bruxas, o espectador se depara com uma estética sombria e cativante, que, apesar do orçamento modesto, é trabalhada com um primor visual surpreendente. Ao preferir um roteiro afiado e atuações sólidas a explosões de CGI, Agatha: Desde Sempre resgata o valor da narrativa bem contada, provando que a Marvel ainda pode entregar algo genuinamente impactante em um universo saturado de fórmulas e efeitos visuais exagerados. Sob a condução de Schaeffer, a série exala frescor e autenticidade, oferecendo um respiro mágico e imperfeito, mas revigorante, à exaustão da fórmula Marvel. É um espetáculo de caráter e atmosfera, que revela o potencial do estúdio quando se permite focar na profundidade de seus personagens e no poder de suas histórias.
