Você já sonhou com uma versão melhor de si mesma? ” A voz pergunta. “Mais jovem, mais bela e mais perfeita.” Repetida de forma ritualística, essa promessa ecoa através de um misterioso produto de troca de corpos, que permite às pessoas criarem uma versão aprimorada de si mesmas. Nesse contexto, o segundo filme da diretora Coralie Fargeat surge como uma sátira ácida e brutal sobre o etarismo em Hollywood. Sem qualquer vestígio de sutileza, cada escolha de enquadramento, edição e design de som é cuidadosamente planejada para causar extremo desconforto no público, explorando o grotesco e o inevitável declínio do corpo feminino.
Fargeat nos apresenta a sex symbol dos anos 80, Elizabeth Sparkle (Demi Moore), não pelo seu trabalho nas telas, mas através de uma montagem de sua estrela na Calçada da Fama sendo instalada, inicialmente brilhante, mas aos poucos desbotando e rachando com o tempo. Ignorada pelos turistas que passam, a estrela se torna uma metáfora para o declínio da atriz.
Quando conhecemos Elizabeth, ela é uma apresentadora de um programa de aeróbica de longa duração. Aos cinquenta anos, ela ainda está fantástica, mas isso não é o suficiente para Harvey, seu chefe da emissora, interpretado por Dennis Quaid, que a demite por ser “velha demais”. Após bater o carro enquanto se distraía com a visão de sua imagem desbotada em um outdoor, Elizabeth acaba em um hospital, onde um jovem médico atraente discretamente lhe entrega um cartão com um número de telefone. Curiosa, ela embarca em uma caçada que a leva a um kit médico personalizado e a um vídeo apresentando A Substância.
Funciona assim: Para obter a melhor versão de si, deve-se injetar um líquido que dá início a um processo de duplicação, criando uma cópia aprimorada, mas que só pode permanecer ativa por sete dias. A jovem Sue, interpretada por Margaret Qualley, é a versão melhorada que ecoa o auge que Elizabeth um dia alcançou.
As duas atrizes se mostram fenomenais em seus papéis, entregando toda a fisicalidade de seus corpos às suas personagens. Além disso, a escolha de Demi Moore para o papel é acertada; em seu auge, a atriz foi a mais bem paga de Hollywood, celebrada por sua sensualidade — algo que, agora, a própria indústria ignora.
O ponto central do filme está na relação de interdependência entre as duas mulheres: ambas necessitam uma da outra para serem quem são. No entanto, o equilíbrio entre elas logo se revela frágil. Sue, em busca de prolongar seu estado idealizado, começa a testar os limites do arranjo, e é Elizabeth quem paga o preço, definhando até se transformar em algo saído de um pesadelo à la Cronenberg.
A câmera de Fargeat explora o corpo feminino envelhecido como uma fonte de medo e repulsa. Enquanto Moore é filmada de maneira a evocar estranheza, com planos que destacam sua decadência e vulnerabilidade, Qualley é apresentada através de close-ups que fragmentam e objetificam seu corpo. À medida que a narrativa se aproxima do clímax, o filme intensifica essas diferenças estéticas entre as personagens.
Ao trazer esses elementos para o filme, Fargeat toma a clássica teoria de Laura Mulvey sobre o prazer visual e o male gaze — o olhar masculino que projeta suas fantasias na figura feminina — e subverte essa prática ao fazer o público confrontar esse olhar de maneira desconfortável e consciente. O espectador, compelido a observar o desenrolar grotesco da trama, vê-se diante de uma dualidade: o desejo de desviar o olhar, mas também a compulsão de continuar assistindo, curioso sobre o que virá a seguir.
No entanto, Fargeat prepara o público para um choque final. O produto grotesco do uso da substância, revelado na última meia-hora, eleva o filme a um novo patamar no terror contemporâneo. Esse momento final não apenas desmascara as ilusões de beleza e perfeição, mas também escancara a crueldade do ciclo imposto pela sociedade, onde a feminilidade se torna um espetáculo tanto de desejo quanto de horror, onde, não importa o quanto você se destaque, o resultado inevitável é a degradação.
